Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado que tem como pilares a soberania popular, a justiça social, a igualdade e os direitos do cidadão. Consolidado na segunda metade do século XX, esse modelo se baseia no princípio da legalidade para a administração do território de forma equilibrada a partir do respeito das escolhas da população e da divisão dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), cada qual com suas atribuições. O Brasil é um exemplo de Estado Democrático de Direito, que foi instituído por meio do Artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
Leia também: Afinal, o que é um Estado?
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre o Estado Democrático de Direito
- 2 - Videoaula sobre o Estado Democrático de Direito
- 3 - O que é o Estado Democrático de Direito?
- 4 - Características do Estado Democrático de Direito
- 5 - Pilares do Estado Democrático de Direito
- 6 - Diferenças entre Estado Democrático de Direito e Estado de Direito
- 7 - Brasil e o Estado Democrático de Direito
- 8 - Quando surgiu o Estado Democrático de Direito?
- 9 - Importância do Estado Democrático de Direito
Resumo sobre o Estado Democrático de Direito
- O Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado baseada na soberania da vontade popular e nos direitos e garantias básicas do cidadão.
- É pautado pelos direitos humanos, pela justiça social e pela participação democrática.
- As garantias e os deveres do cidadão estão previstos na Constituição que rege o Estado.
- Essa legislação se aplica a todos que vivem em um Estado Democrático de Direito e também serve para coibir abusos de autoridade e práticas que ferem a democracia.
- A estrutura hierárquica do Estado Democrático de Direito é organizada a partir da divisão dos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
- Apesar de guardar algumas semelhanças com o Estado de Direito (Estado Liberal), sobretudo com relação ao princípio da legalidade, eles não são iguais.
- No Estado de Direito, a cidadania é limitada e a intervenção estatal na vida social e na economia é mínima.
- A Constituição Federal de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito no Brasil, modelo de Estado que segue em vigor desde então.
- São fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro: soberania, cidadania, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
- O Estado Democrático de Direito surgiu a partir de acontecimentos na economia e na política mundial do século XX, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial.
- Sua importância está principalmente na garantia da soberania popular e a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos.
Videoaula sobre o Estado Democrático de Direito
O que é o Estado Democrático de Direito?
O Estado Democrático de Direito é um tipo de Estado que está fundamentado nos direitos e garantias básicas do cidadão e na soberania da vontade popular. Ao mesmo tempo em que esse Estado pode ser entendido como uma união entre o Estado de Direito e o Estado Social, ele representa uma nova forma|1| de ordenamento político e jurídico em que as suas ações são legitimadas por um corpo de leis que encontra conformidade com os direitos humanos, com a justiça social e com a efetivação da participação democrática.
Características do Estado Democrático de Direito
A característica básica do Estado Democrático de Direito é o respeito à soberania popular. Nessa forma de organização, o povo é atuante no processo político por meio do exercício pleno de sua cidadania. Essa prerrogativa inclui a escolha dos seus governantes e legisladores, assim como a fiscalização do trabalho e da conduta daqueles que foram eleitos para serem os representantes da vontade popular.
Todo esse processo é respaldado por um conjunto de leis cuidadosamente pensado para proteger os direitos básicos dos cidadãos que vivem sob aquele Estado, visando diminuir as desigualdades existentes e se chegar o mais próximo possível da justiça social. Em um Estado Democrático de Direito, então, diz-se que “o poder emana no povo”|2|. Além do mais, a legislação se aplica a todos os indivíduos que residem no território, da mesma forma que pode viabilizar ou limitar a atuação de governantes e autoridades.
O respeito à diversidade (de culturas, de etnias, de credo, de ideias) é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Nele o indivíduo é visto como um cidadão dotado de direitos básicos que devem ser assegurados pelo corpo político vigente independente de qualquer aspecto pessoal. Assim, o Estado Democrático de Direito está baseado no princípio da dignidade humana.
Junto das garantias descritas, é imprescindível, por parte do cidadão, que haja o cumprimento de seus deveres. Observe, abaixo, o comparativo entre alguns dos direitos e dos deveres do cidadão que são defendidos no Estado Democrático de Direito:
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Direitos do cidadão |
Deveres do cidadão |
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Vida digna |
Cumprimento das leis |
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Liberdade e igualdade perante a lei |
Respeito aos direitos dos demais cidadãos |
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Moradia digna e propriedade |
Exercício do voto |
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Acesso à saúde e educação |
Pagamento de impostos e tributos |
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Meio ambiente limpo e bem-estar |
Proteção da natureza e do patrimônio público |
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Segurança |
Educação de crianças e adolescentes |
A estrutura hierárquica de um Estado Democrático de Direito obedece a divisão clássica dos três Poderes, que é feita da seguinte maneira:
- Poder Executivo: ocupa-se da administração e governança do Estado nas suas diferentes instâncias territoriais, sendo o responsável pela aplicação das leis que são elaboradas pelo Legislativo. Presidentes, vice-presidentes, primeiros-ministros, ministros, governadores e prefeitos são os cargos dos indivíduos responsáveis pelo Poder Executivo.
- Poder Legislativo: ocupa-se do debate e da elaboração das leis que regem o território, incluindo cargos como o de senador, deputado e vereador. Além dessa função, é o Legislativo que faz a supervisão do Executivo.
- Poder Judiciário: ocupa-se da interpretação e da aplicação das leis, assim como da fiscalização das demais instâncias. O Judiciário é o principal responsável por coibir abusos de autoridade, mediar conflitos, executar a legislação vigente e por assegurar os direitos dos cidadãos previstos na Constituição. É formado por juízes, desembargadores, procuradores, promotores, defensores públicos e advogados de um modo geral.
A atual conjunta dos três Poderes é, portanto, fundamental para a manutenção e o funcionamento adequado do Estado Democrático de Direito.
Leia também: Quais são as formas de governo existentes?
Pilares do Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito é sustentado por pilares que reiteram os elementos básicos que constituem essa modalidade de organização político-jurídica e afirmam o papel central da democracia e dos direitos civis na sua composição. Todos eles foram abordados anteriormente em nosso texto, motivo pelo qual os apresentamos em formato de lista a seguir:
- soberania do povo;
- cidadania;
- divisão de poderes;
- pluralismo político;
- justiça social e igualdade.
Diferenças entre Estado Democrático de Direito e Estado de Direito
Estado Democrático de Direito e Estado de Direito são duas concepções distintas, e, apesar de estarem correlacionadas, não devem ser tratadas como equivalentes. Os principais pontos que as diferenciam são a abrangência das garantias que são de responsabilidade do Estado, assim como a participação popular.
Vimos até aqui que o Estado Democrático de Direito preza pela soberania popular e pela proteção dos direitos dos cidadãos de maneira a assegurar a igualdade entre os indivíduos, o bem-estar e a justiça social. O Estado de Direito, por sua vez, possui limitações quanto a esses aspectos.
O Estado de Direito surgiu entre o século XVII e o século XIX. Esse período ficou marcado por um conjunto de revoltas burguesas que causaram o fim de regimes absolutistas na Europa e a implementação de regimes modernos pautados em ideias liberais que defendiam a menor intervenção do Estado na vida da população. O exemplo mais conhecido é o da Revolução Francesa, que decorreu entre 1789 e 1799 e transformou profundamente a política e a sociedade da França. Antes dela, a Revolução Gloriosa na Inglaterra, que aconteceu entre 1688 e 1689, estabeleceu a monarquia constitucional parlamentarista.
O modelo de Estado que foi concebido nesse processo é o Estado Liberal, ou Estado de Direito. Ele se encontrava dividido em Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e defendia os interesses dos cidadãos com base em um conjunto de leis que subjuga, inclusive, os seus governantes e demais membros do corpo político. Essa é uma prerrogativa que também existe no Estado Democrático de Direito. Contudo, no Estado de Direito, a cidadania era reservada a um determinado grupo de indivíduos, que era formado por homens maiores de idade que pertenciam à classe burguesa. A garantia dos direitos dos cidadãos era, portanto, limitada.
Da mesma maneira, a participação popular acontecia de modo restrito, ao contrário do Estado Democrático de Direito. Nas tabelas complementares abaixo, apresentamos um resumo prático da diferença entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito:
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Aspectos em comum entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito |
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Todos os indivíduos, sem nenhuma distinção, estão sujeitos ao cumprimento das leis. |
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São divididos em Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. |
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Principais diferenças entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito |
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Estado de Direito |
Estado Democrático de Direito |
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O princípio básico é a legalidade. A legislação vigente, portanto, limita a ação irrestrita do Estado. |
A legalidade é um dos princípios básicos. A ação do Estado é balizada pela soberania popular e pelos direitos humanos. |
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A cidadania era limitada a determinado recorte da sociedade e não se aplicava a toda a população. |
São cidadãos todos aqueles que habitam no território, tendo seus direitos básicos estabelecidos pela Constituição. |
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A participação popular é limitada e destinada ao grupo de pessoas consideradas cidadãs. |
A participação popular é irrestrita e constitui um dos pilares desse Estado. |
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É mínima a interferência do Estado na vida da população. |
O Estado é garantidor de direitos básicos da população, visando seu bem-estar e a justiça social. |
Por isso, é válido estabelecer um comparativo entre eles, mas sempre se atendo ao fato de que se tratam de modalidades diferentes de organização social e política e que foram concebidos em contextos históricos distintos, como abordaremos adiante.
Brasil e o Estado Democrático de Direito
A Constituição Federal de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito no Brasil. Esse documento foi elaborado três anos após a redemocratização do país, que representou o fim do regime de exceção da ditadura militar brasileira.
Promulgada no dia 5 de outubro de 1988, a nova Constituição brasileira está em vigência até hoje. Por ter estabelecido um conjunto de direitos para a população que não encontra precedentes na história do Brasil, ela recebeu a alcunha de Constituição Cidadã.
A menção ao Estado Democrático de Direito abre o texto da Constituição de 1988, estabelecendo as bases para a administração do território brasileiro. Veja o que diz o Artigo 1º:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Quando surgiu o Estado Democrático de Direito?
É difícil precisar quando surgiu o Estado Democrático de Direito. A concepção dessa nova modalidade de Estado pode ser compreendida como uma sucessão do Estado de Direito que aconteceu em razão do contexto socioeconômico que se instaurou em todo o mundo a partir da primeira metade do século XX.
O período em questão ficou marcado por uma profunda crise no sistema capitalista iniciada com o crash da bolsa de valores de Nova Iorque, nos Estados Unidos, no ano de 1929. Esse evento teve repercussões dramáticas em todo o mundo. Suas consequências demandaram a maior intervenção estatal na economia e no meio social, já que as desigualdades socioeconômicas e os demais problemas sociais atrelados ao modelo liberal se aprofundaram ainda mais com a crise, a exemplo do desemprego, da fome e da sub-habitação.
O Estado, que outrora intervinha apenas por vias judiciais, quando necessário, precisou interferir de maneira direta para tentar recuperar a economia e assegurar a redução dos impactos da crise para a população. Surgiram, então, teorias econômicas que passaram a atribuir ao Estado o dever de proteger do bem-estar da população mediante ações como a garantia do emprego pleno e a implementação de programas de apoio social, até mesmo de transferência de renda. A principal dessas teorias ficou conhecida como keynesianismo, desenvolvida por John Maynard Keynes.
Falava-se, a partir de então, na concepção de um Estado de bem-estar social, ou Estado Social de Direito, que prezava pela intervenção do Estado na economia de forma a equilibrá-la e a assegurar a qualidade de vida da população. A salvaguarda dos direitos sociais já era, portanto, uma prerrogativa. A ideia do Estado Social ganhou forças a partir da segunda metade do século XX. Ainda assim, conforme explica o jurista José Afonso da Silva (1925-), a soberania popular não era parte desse Estado, fato que pode ser constatado até mesmo por meio de uma breve análise do contexto histórico da época.
O cenário devastador resultante da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e os crimes contra a humanidade cometidos durante o conflito fizeram surgir discussões acerca de quais seriam e como assegurar os direitos fundamentais dos seres humanos, o que culminou na Declaração Universal dos Direitos Humanos publicada pela ONU em 1948.
Ao mesmo tempo, a social-democracia reascendeu no cenário político internacional e incorporou as ideias de Keynes em seu arcabouço teórico. Esse conjunto de ideias passou a estar presente na constituição de muitos países a partir de então, destacando-se a Alemanha (1949) e, posteriormente, o Brasil (1988). Dessa forma, o Estado Democrático de Direito surge como uma junção entre o Estado de Direito e o Estado Social|3|, agregando novos princípios como a da democracia e da soberania popular.
Leia também: Afinal, o que são direitos humanos?
Importância do Estado Democrático de Direito
Baseado nos princípios da legalidade, da democracia e da igualdade, o Estado Democrático de Direito é importante para a garantia da soberania popular e a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos.
Sua estrutura é formada por um conjunto de mecanismos legais, descritos na Constituição, que coíbe abusos de autoridade, violações contra a democracia e a própria abolição (e tentativa de abolição) desse Estado. Ele assegura as liberdades individuais e coletivas dos cidadãos, ao passo que intervém em setores estratégicos com a finalidade de diminuir as desigualdades e promover a justiça e o bem-estar social.
São esses os aspectos que conferem importância a essa organização político-jurídica. Por causa disso, aliás, temos observado no Brasil a emergência de movimentos em defesa da estabilidade do Estado Democrático de Direito conquistado pela população, junto das instituições responsáveis pelo seu funcionamento.
Créditos da imagem
Notas
|1| SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Administrativo, v. 173, p. 15-24, 1988. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/45920.
|2| BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
|3| SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Administrativo, v. 173, p. 15-24, 1988. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/45920.
Fontes
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Uma cronologia para pensar a reconstrução do Estado social. Jornal da USP, 22 mar. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/?p=620676.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado democrático e social de direito. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP, abr. 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/70/edicao-1/estado-democratico-e-social-de-direito
KAMMER, Iris. Considerações sobre o estado democrático de direito e os Fundamentos da república federativa do Brasil. Revista Jurídica, v. 9, p. 127-136, 2021. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/496_arquivo.pdf.
REDAÇÃO. Pilar da democracia, Constituição Federal completa 35 anos. TSE, 05 out. 2023. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Outubro/pilar-da-democracia-constituicao-federal-completa-35-anos.
SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Administrativo, v. 173, p. 15-24, 1988. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/45920.
VIEIRA, Oscar Vilhena de. Estado de Direito. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP, abr. 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/78/edicao-1/estado-de-direito.