O primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva ocorreu de 2003 a 2006 como resultado das eleições para a presidência da república de 2002, cargo até então assumido por Fernando Henrique Cardoso. A sua gestão inaugural à presidência, como candidato do Partido dos Trabalhadores, significou a 35ª ocupação ao cargo.
As suas políticas foram principalmente destinadas ao combate à desigualdade social e ao direcionamento do Brasil como potência econômica emergente das Américas. Apesar de o seu primeiro mandato ter significado políticas conciliatórias com partidos rivais, conflitos ideológicos de seus apoiadores e diversos escândalos de corrupção, a gestão inicial de Lula o alavancou para a sua reeleição, iniciada em 2007.
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O primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da república ocorreu entre os anos de 2003 e 2006. Eleito em 27 de outubro de 2002, Lula venceu o candidato José Serra (PSDB) no segundo turno com quase 53 milhões de votos (61,3%).
A sua posse oficial ocorreu no dia 1º de janeiro de 2003, quando assumiu a 35ª presidência do Brasil ao lado do vice-presidente José Alencar (PL). No evento, contou com a presença de diversos presidentes, ministros e outros representantes políticos dos continentes americano, africano e europeu.
Na posse, Lula contou com a presença do presidente anterior, FHC, quem lhe repassou a simbólica faixa de presidente da república, ao lado de sua então primeira-dama, Marisa Letícia, e da ex-primeira-dama, Ruth Cardoso. O evento ocorreu por diversos locais da cidade de Brasília (DF), entre a catedral da cidade, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Palácio Itamaraty.
No ano de 2002, encerrava-se o duplo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), no cargo da gestão federal desde 1994; em 2006, Lula foi novamente eleito presidente, com 58 milhões de votos. Sua primeira eleição foi conquistada na quarta tentativa para o cargo, derrotado contra Fernando Collor (PRN), em 1989, e contra FHC, em 1994 e 1998.
A crise econômica resultante do segundo mandato de FHC contribuiu para com a popularidade de Lula, que, até aquele momento, já havia ocupado o cargo de presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) e deputado federal do estado de São Paulo. Na virada do milênio, o Governo FHC encarava uma dívida externa de 245 bilhões de dólares, uma inflação anual de mais de 12,5% e uma grave crise energética, além dos escândalos de corrupção que envolviam empresas privadas erigidas por meio de sua política econômica neoliberal.
A negativa popularidade do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso refletiu na candidatura do candidato José Serra, também do PSDB, que deveria dar continuidade à política neoliberal de seu antecessor, que o apoiou durante as eleições de 2002.
Lula, por outro lado, havia angariado grande popularidade desde a ascensão de sua carreira política no decorrer da década de 1980. O candidato, nascido em 1945 na cidade de Garanhuns, Pernambuco, mudou-se para São Paulo com a família em 1952. Lá, cursou aprendizagem industrial, ocupando o ofício de metalúrgico ainda na juventude. Em 1969, passou a ocupar o cargo de diretor suplente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1972, tornou-se seu primeiro-secretário, e, em 1975, foi eleito presidente do sindicato.
Durante sua carreira como metalúrgico, enfrentou por diversas vezes a violência policial comandada pelos ditadores militares, em constante opressão contra as greves e movimentos a favor dos direitos trabalhistas. As experiências o incentivaram a criar o Partido dos Trabalhadores. Em 1980, fundou o PT, que, em apenas dois anos, recebeu considerável notoriedade por todo o território nacional.
Em 1983, participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e, no ano seguinte, protagonizou uma das lideranças do movimento Diretas Já. Dois anos mais tarde, foi eleito deputado federal para a Assembleia Constituinte.
No âmbito das disputas para o cargo de presidente da república, Lula participou da reabertura das eleições diretas do país em 1989, que ocorreram em sucessão ao mandato de José Sarney e significaram a transição entre o fim da ditadura militar e a abertura do processo de democratização brasileira.
Entretanto, sua vitória ao cargo só seria alcançada cerca de 13 anos mais tarde, em sua quarta tentativa de competir contra os partidos alinhados às políticas neoliberais. A crise decorrente do segundo mandato de FHC, ocorrido entre 1998 e 2002, auxiliou na popularidade do candidato do PT, que, conforme vimos mais acima, derrotou o rival, José Serra, com mais de 61% dos votos.
Lula admitiu o cargo da presidência em meio a uma situação econômica problemática, com quase 60% do PIB destinados à dívida pública, inflação a mais de 12,5%, uma dívida externa de 245 bilhões de dólares e o valor do real a quase quatro dólares. Diversas das políticas neoliberais implementadas por FHC foram revisadas e contidas, mantendo-se o câmbio flutuante, controlando-se a inflação por meio da configuração de metas e gerando-se superávits fiscais de quase 4% do PIB.
Quanto à vulnerabilidade cambial, as reservas internacionais saltaram de quase 40 bilhões de dólares (2002) para 86 bilhões (2006), bem como o registro de uma queda inflacionária para 5,7% (mais da metade em quatro anos). Apesar da revisão das políticas econômicas neoliberais implementadas por FHC, Lula optou por manter uma postura conciliadora com os investidores, negando possíveis quebras de contratos. Assim, entre 2003 e 2006, a Bolsa de Valores (Bovespa) teve um aumento de quase 300% em investimentos internacionais.
Durante o primeiro mandato de Lula, procurou-se ampliar a educação para níveis nacionais menos heterogênicos, que refletiam a desigualdade de investimentos direcionados às instituições do país.
Entre as medidas adotadas em sua primeira gestão, incluem-se a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferta de bolsas de estudos para jovens de baixa renda na admissão de instituições particulares do ensino superior; e a reforma no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), criado em 1999 e até então marginalizado, mas que agora passou a requirir baixos juros, flexibilizou as exigências de conclusão e expandiu as áreas de formação, até então priorizadas a cursos mais prestigiados (como Medicina e Engenharia).
Outras medidas implementadas em seu mandato foram o aumento subsidiário ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e a fundação do Programa Brasil Alfabetizado (PBA), que tinha como objetivo alfabetizar a população de diversas idades. Também houve a implementação do sistema de cotas raciais, primeiramente em instituições públicas de ensino superior.
O setor social foi um dos mais impactados durante o primeiro mandato de Lula. No decorrer dos quatro anos de mandato, Lula lançou políticas para combater a desigualdade social e os baixos níveis de pobreza por meio de programas como o Fome Zero e o Bolsa Família (que unia programas “fragmentados” da gestão de FHC, como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio-Gás, entre outros).
Além disso, houve o aumento do valor real do salário mínimo em 37,5% (e nominal de 75%) em apenas quatro anos, o que resultou na ascensão social de cerca de sete milhões de brasileiros à classe média (após oito anos de governo de FHC, para critérios comparativos, o aumento real do salário mínimo havia sido apenas pouco mais que 2%).
Ao mesmo tempo, principalmente devido ao Bolsa Família, estima-se que mais ou menos 20 milhões de pessoas saíram do nível de pobreza extrema (renda de 1,90 dólares diários) e até 15 milhões tenham superado o nível de insegurança alimentar grave. A primeira gestão de Lula também significou os outorgamentos da Lei Maria da Penha de proteção às mulheres em ambiente doméstico e o Estatuto do Desarmamento.
Apesar dos discursos progressistas disseminados por Lula no decorrer da década de 1980, a sua política, durante o primeiro mandato, tinha perfil conciliatório com grupos de centro, decretando alianças com partidos como o PMDB, o PP, o PTB, o PL e outros. A aliança procurava compensar, em parte, a fragilidade do PT no congresso brasileiro, que naquela época representava apenas 18% das cadeiras. Como “troca”, Lula garantiu pastas de ministérios a representantes dos partidos aliados.
O seu primeiro mandato também significou uma reforma da previdência (EC 41/2003) que exigiu novos valores de contribuição ao INSS, como idade e tempo mínimos de contribuição (respectivamente, 60/35 anos para homens e 55/30 anos para mulheres). A emenda da reforma gerou uma grande cisão política e no partido, oriunda principalmente de deputados federais do PT que foram orientados a votar a favor da medida.
Ainda no âmbito da política, crises e escândalos como o Mensalão e outras denúncias de corrupção acabaram fortalecendo a oposição a Lula, como veremos mais adiante com maiores detalhes.
Um dos mais impactantes programas lançados durante o primeiro mandato de Lula, no setor de saúde, foi a Farmácia Popular, que permitiu a distribuição de diversos medicamentos gratuitos ou com até 90% de desconto. Houve também uma expansão na Atenção Primária à Saúde, fundada pelo Programa Saúde da Família em 1994, de prevenção e auxílio no tratamento de diversas condições de saúde, como a hipertensão e a diabetes, que atingiu até cerca de 47% da população brasileira.
Deu-se também grande atenção ao Sistema Único de Saúde (SUS), implementando-se a Política Nacional de Humanização e o salto no orçamento da instituição de 28 bilhões para 40 bilhões de reais. No decorrer dos primeiros quatro anos de seu governo, Lula também foi responsável por decretar programas de prevenção à Aids e por implantar o uso das ambulâncias de Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em território nacional.
No que diz respeito ao meio-ambiente, durante o primeiro governo de Lula, foram tomadas diversas medidas de proteção à natureza, ao menos em teoria.
O projeto Plano Amazônia Sustentável (PAS), por exemplo, concedia o desenvolvimento sustentável e econômico da Amazônia, enquanto o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) fiscalizava a preservação da floresta por meio de instituições policiais e de controle ambiental (como resultado, até o ano de 2006, o índice de desmatamento caiu em até 52%).
Em confluência com o setor econômico, ele também incentivou a produção de etanol (derivado da cana de açúcar) como alternativa energética de combustível.
As medidas levantadas ao meio-ambiente, entretanto, foram contraditórias: apesar de destinar esforços para conter a expansão ilegal da agropecuária em áreas florestais, o governo não conseguiu refrear os casos de desmatamento e os casos de assassinato contra indígenas, ambientalistas e pequenos agricultores.
Também não pressionou as políticas de aceleração da reforma agrária (demandadas principalmente pelo Movimento Sem Terra, MST), principalmente devido aos incentivos consolidados com o setor do agronegócio; os assentamentos de terras improdutivas foram estipulados a apenas 381 mil famílias, em contraste aos 540 mil registrados durante o duplo mandato de FHC.
O governo brasileiro, durante o primeiro mandato de Lula, estipulou a aproximação de diversos países vizinhos do sul americano a fim de, principalmente, reduzir a dependência econômica do país com a Europa ou América do Norte (utilizando-se principalmente da participação ativa do Brasil no Mercosul).
Simultaneamente, afastou o país das relações com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), criticou o subsídio agrícola estadunidense e europeu, e condenou a nova incursão norte-americana sobre o Iraque, em 2003. Com isso, procurou estipular acordos internacionais com outros países do Hemisfério Sul, principalmente com a China, a Índia e a África do Sul. Também criou a Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa) de interesses econômicos e políticos com as nações árabes.
Devido aos fortalecimentos econômico, político e social do país, o Brasil foi convidado a participar das reuniões do Grupo dos Oito + Cinco (G8+5), iniciadas em 2005.
No decorrer do primeiro mandato de Lula, vieram à tona diversos escândalos de corrupção envolvendo o presidente da república e o Partido dos Trabalhadores. Um dos mais notórios foi o caso do Mensalão, que consistia em um esquema de compra de votos no Congresso, comandado pelo tesoureiro do PT na época, Delúbio Soares, em parceria com o Ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente do partido, José Genoino.
O caso, denunciado pelo deputado federal Roberto Jefferson (PTB) (mais tarde preso por diversos delitos, inclusive políticos), repercutiu imediatamente na figura de Lula, que havia iniciado o seu primeiro mandato.
Em agosto de 2005, Lula fez um pronunciamento nacional, na tentativa de esclarecer o caso:
“[...] Com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. [...] Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do nosso país. Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos acompanharam nessa trajetória [...]. Queria, neste final, dizer ao povo brasileiro que eu não tenho nenhuma vergonha de dizer que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas.”|1|
As denúncias acarretaram uma grave política que teve, como resultado, diversas renúncias e demissões. O caso, levado adiante entre 2012 e 2013, resultou na prisão de 12 suspeitos de corrupção. Entre outros casos envolvendo o PT, ocorreram também os episódios Dossiê Cayman, Caso Palocci, Escândalo dos Sanguessugas e Escândalo dos Bingos. Os casos fortaleceram a imagem da oposição política em contraste ao enfraquecimento de Lula e do partido (apesar de sua reeleição na candidatura subsequente), lançando bases para uma futura bipolarização política no país.
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Em seus primeiros quatro anos de governo, destacam-se os seguintes acontecimentos:
Até o momento, Lula assumiu a presidência da república três vezes: em 2003, em 2007 (reeleição) e em 2023.
Nota
|1| MARTINS, Leticia. CNN Brasil, 2025. Mensalão completa 25 anos: saiba como Lula reagiu ao escândalo. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/mensalao-completa-20-anos-saiba-como-lula-reagiu-ao-escandalo.
Créditos da imagem
[1] Senado Federal (Wikimedia Commons) (reprodução)
[2] Wikimedia Commons (reprodução)
[3] Wikimedia Commons (reprodução)
Fontes:
BIBLIOTECA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Luiz Inácio Lula da Silva. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/biografia-periodo-presidencial.
FREITAS, Felipe C. de. De Oposição a Situação: a reforma da Previdência de 2003 e o primeiro “grande racha” no governo Lula. Revista Teoria & Pesquisa. São Carlos: UFSCar, v.27, n.1, p.71-105, 2018.
FRENCH, John D. Lula e a política da astúcia: de metalúrgico a presidente do Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2022.
MARTINS, Leticia. CNN Brasil, 2025. Mensalão completa 25 anos: saiba como Lula reagiu ao escândalo. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/mensalao-completa-20-anos-saiba-como-lula-reagiu-ao-escandalo.
MORAIS, Fernando. Lula. São Paulo: Companhia das Letras, v.1, 2021.
OLIVEIRA, Dalila A. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e permanências. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. Brasília: ANPAE, v.25, n.2, p.197-209, 2009.
SENADO FEDERAL. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/hpsenado.
Fonte: Brasil Escola - https://brasilescolav3.elav.tmp.br/historiab/governo-luis-inacio-lula-da-silva.htm