O Cinema Novo foi um movimento do cinema brasileiro que propôs a renovação de sua estética, métodos e temas, e que ganhou visibilidade nos anos de 1960, mobilizando e consagrando jovens cineastas inovadores. O mais aclamado entre eles foi o baiano Glauber Rocha, que se tornou notável por promover críticas ao cinema industrializado estrangeiro e oferecer um enfoque voltado para a crítica social, a questão do subdesenvolvimento e da desigualdade, entre outros temas nacionais.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre Cinema Novo
- 2 - O que foi o Cinema Novo?
- 3 - Contexto histórico do Cinema Novo
- 4 - Características do Cinema Novo
- 5 - Filmes do Cinema Novo
- 6 - Fases do Cinema Novo
- 7 - Diretores do Cinema Novo
- 8 - Cinema Novo na Ditadura Militar
- 9 - Legado do Cinema Novo
- 10 - Cinema Novo e Cinema Marginal
- 11 - Curiosidades sobre o Cinema Novo
- 12 - Exercícios resolvidos sobre Cinema Novo
Resumo sobre Cinema Novo
- Cinema Novo foi um movimento cinematográfico brasileiro dos anos 1960 que renovou a estética, os temas e os métodos do cinema nacional.
- Surgiu no fim dos anos 1950, mas se consolidou no momento de tensão que culminou com o Golpe Militar de 1964, que instituiu uma ditadura no Brasil.
- Foi liderado pelo cineasta baiano Glauber Rocha.
- É caracterizado pelo realismo crítico, produções independentes, estética da fome (e do sonho), mistura de documental com ficção, anticlassicismo narrativo, influência de vanguardas com enraizamento local e latino, forte sentido de coletividade e pela divulgação de manifestos.
- Alguns dos filmes mais icônicos do Cinema Novo são: Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), Deus e o diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964), Terra em transe (Glauber Rocha, 1967), Barravento (Glauber Rocha, 1962) e A Grande Feira (Roberto Pires, 1961).
- Costuma ter sua história dividida em três fases: Período da arrancada (c. 1959-1964), Radicalização e alegoria (c. 1964-1968) e a fase da Dispersão, exílios e internacionalização (c. 1968 - início dos anos 1970).
- Alguns dos diretores mais importantes do Cinema Novo foram: Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, Leon Hirzman, Ruy Guerra, entre outros.
- O Cinema Novo reorientou a forma de fazer cinema no país, inserindo elementos presentes até hoje em grandes sucessos nacionais, como filmar em locações reais, tematizar desigualdade, poder e violência.
- Cinema Novo e Cinema Marginal não são a mesma coisa.
- Os cinemanovistas defendiam uma liberdade autoral, o Cinema Marginal radicaliza essa proposta e aposta numa liberdade total da forma.
O que foi o Cinema Novo?
O Cinema Novo foi um movimento de renovação do cinema brasileiro, de sua estética e de seus temas, que ganhou visibilidade nos anos de 1960, mobilizou e consagrou jovens cineastas inovadores, sendo o mais aclamado o baiano Glauber Rocha, e que promoveu uma crítica ao cinema industrializado estrangeiro e uma defesa do “fazer muito com pouco”, de superar a “precariedade instrumental” com originalidade, criatividade e narrativas potentes ou, como dizia Glauber, com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
As soluções técnicas para essa precariedade instrumental marcam as soluções estéticas que caracterizam esse cinema: planos mais diretos, mobilidade, improviso controlado, filmagens com menos câmeras e narrativas ásperas com forte carga crítica e poética, que nascem de orçamentos enxutos, equipes pequenas e filmagens em locação.
Além de um projeto de renovação estética, o Cinema Novo representou também um movimento sociocultural, que buscava utilizar o filme como um meio de reflexão e intervenção no debate público da época, discutir temas como subdesenvolvimento, identidade nacional, questões sociais e afins. Tecnicamente, evitavam reproduzir modelos importados, como o norte-americano, tendo a ambição de construir um cinema nacional “descolonizado”.
Nessa mesma época, havia uma ebulição de renovação do cinema na América Latina, com a qual esse movimento dialogava, o chamado Nuevo Cine Latinoamericano.
Contexto histórico do Cinema Novo
O Cinema Novo surge no Brasil do fim dos anos de 1950 e 1960, um país marcado por uma ebulição política que opunha massas urbanas sedentas por mais direitos sociais e uma elite resistente a esses avanços sociais, o que vai atingir seu ápice durante o governo Goulart (1962-1964), com suas propostas de reformas de base, e culminar com o Golpe de 1964. Os anos de chumbo e as lutas sociais são, então, pano de fundo e temática, tanto implícita quanto explícita, dos filmes desse movimento.
No contexto latino-americano, essas questões eram tão urgentes quanto no âmbito nacional: lutas sociais, golpes de Estado, Guerra Fria e América Latina sob influência ideológica das duas superpotências… tudo isso motivou filmes com pegada crítica e inovadora da contraparte continental do Cinema Novo, o Nuevo Cine Latinoamericano.
No âmbito interno, o período de surgimento e de consolidação do Cinema Novo é marcado por uma forte crise do cinema de estúdio tradicional. Muitas produtoras tradicionais perderam público e recursos, especialmente pela competição com produtoras estrangeiras (principalmente estadunidenses), e acabaram falindo. A falência da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, referência do cinema nacional no período anterior, é um símbolo desse processo.
É nesse contexto que crescem as produções independentes, que tinham forte influência do neorrealismo italiano e das novas vanguardas europeias, mas traduzidas para a realidade brasileira, o que vai influenciar diretamente a formação do movimento do Cinema Novo. A crítica ao padrão industrial hollywoodiano de cinema era nesse contexto uma tônica do movimento.
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Características do Cinema Novo
O Cinema Novo combinou diversas características marcantes, dentre as quais, podemos destacar:
- Realismo crítico: a ideia do movimento era encarar a realidade brasileira sem filtros e discutir abertamente temas então sensíveis como a pobreza, a desigualdade social, o autoritarismo e os conflitos no campo e nas cidades. Ou seja, o cinema era utilizado como ferramenta para o debate público.
- Produção independente: os jovens cineastas desse movimento não costumavam ser patrocinados por grandes corporações industriais do cinema, pelo contrário, havia orçamentos curtos, equipes enxutas, mas também, muita liberdade criativa para o diretor-autor.
- Estética da fome (e do sonho): o movimento traz uma proposta de tratar do tema da pobreza, da escassez material, com uma linguagem crítica, em que aspereza vira estilo e a fome, uma metáfora do subdesenvolvimento e da dependência do Brasil no contexto internacional. Com o passar do tempo, ocorrem deslocamentos dessa estética para a “estética do sonho”, que amplia o registro para uma abordagem mais poética e onírica, mas sem abandonar o enfoque crítico.
- Mistura de documental com ficção: era muito comum que filmes desse movimento buscassem uma textura quase documental, focando ruas, poeira, corpos, fala cotidiana, mas tudo isso organizado em narrativas alegóricas e simbólicas. A ideia era fazer o concreto e o metafórico caminharem juntos.
- Anticlassicismo narrativo: as obras do Cinema Novo eram marcadas por estruturas não lineares, com um final aberto, a presença de anti-heróis e outras séries de rompimentos com os padrões das produções hollywoodianas. O objetivo era provocar o espectador e fazê-lo pensar, e não só se entreter.
- Influência internacional, mas com enraizamento local: os cineastas desta geração dialogaram profundamente com a produção cinematográfica internacional. Tanto com a mainstream industrial norte-americana, que conheciam bem, criticavam com conhecimento de causa e da qual buscavam se afastar, quanto das vanguardas europeias desse período, como o neorrealismo italiano, nas quais se inspiraram e dialogaram, mas sempre com um olhar reprocessado a partir das realidades brasileira e latino-americana. A ideia era “descolonizar” o olhar por meio do cinema nacional.
- Coletividade e manifestos: o Cinema Novo não era só um novo estilo, ele se organizava coletivamente, como frente de ação, e se expressava também por meio de cartas, artigos, debates e afins, sempre com a intenção de reorientar os rumos estéticos e políticos do Brasil daquela época.
Filmes do Cinema Novo
Falar de qualquer expressão artística é sem efeito se não for complementado ou antecipado por uma experiência direta com aquilo que está sendo analisado. A obra do Cinema Novo é grande e multifacetada, mas selecionamos aqui alguns longas essenciais para quem quer conhecer o movimento “em ação”.
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Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)
O filme expressa um realismo duro apresentando o sertão tanto como cenário quanto como personagem. É um retrato da pobreza e da dignidade em combate.
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Deus e o diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964)
Possivelmente o mais aclamado dos filmes do movimento, o filme é um épico sertanejo no contexto do cangaço nordestino, em que misticismo religioso, política coronelística e violência se misturam.

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Terra em transe (Glauber Rocha, 1967)
Não é por acaso que a maioria dos filmes aqui sugeridos sejam desse mesmo cineasta: o baiano Glauber Rocha. Essa preferência reflete a relevância e visibilidade que suas obras tiveram no movimento. Diferentemente do anterior, essa obra não se passa no sertão, mas em um país fictício com características típicas de uma república latino-americana, com sua corrupção, suas mazelas, seus desafios e suas lutas. Do ponto de vista técnico, Glauber aqui rompe com a linearidade para “pensar com imagens” e “quebra a quarta parede”, recurso em que o personagem dialoga diretamente com a audiência, diversas vezes.
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Barravento (Glauber Rocha, 1962)
Filme que marca o início de uma série de experiências estéticas que iriam se adensar nas obras posteriores. Filmado na Bahia, ele retrata o mar, o trabalho e o conflito social de maneira não didática, mas, ao mesmo tempo, muito tocante.
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A Grande Feira (Roberto Pires, 1961)
Obra muito valorizada pelos entusiastas e estudiosos do movimento, a obra de Roberto Pires é ambientada em Salvador, Bahia, retrata os comerciantes da feira “Água dos Meninos”, que estão inquietos com a tentativa do governo de mudá-los para outro local. A atitude dos comerciantes varia e coloca o espectador para se identificar e automaticamente também se posicionar nessa disputa, pois alguns tentam negociar, como o sindicalista Neco, enquanto outros querem partir para a violência.
Além desses longas paradigmáticos, recomendamos também o curta Pátio (Glauber Rocha, 1959) que antecipa a consolidação do movimento, mas já anuncia inquietações de linguagem, bem como um trio de curtas que é frequentemente citado como fundamental no impulso modernizador que desembocaria no Cinema Novo:
- Aruanda (Linduarte Noronha, 1960),
- O Poeta do Castelo (Joaquim Pedro de Andrade, 1959) e
- Arraial do Cabo (Paulo César Saraceni, 1959).
Fases do Cinema Novo
A historiografia costuma organizar a história do Cinema Novo em três fases. No entanto, é preciso esclarecer que essas divisões não são rigorosas, são apenas uma forma de organizar esse conteúdo de maneira didática, e que as datas aqui usadas são aproximações para esse mesmo fim.
→ Período da arrancada (c. 1959-1964)
Marca o início do movimento. O Cinema Novo surge, então, e vai gradualmente se estruturando e ganhando visibilidade. É o período dos orçamentos mais enxutos, das equipes pequenas, das filmagens em locação e, em termos estéticos, do realismo crítico voltado para a vida popular, tanto no campo quanto nas periferias urbanas. São nesses anos que se consolidam as ideias de Glauber de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, de contornar as limitações técnicas com inovações e imaginação.
É desse período também a consolidação da ideia de “estética da fome (e do sonho)”, como uma resposta criativa à pobreza e ao subdesenvolvimento. Nesse período, também, é lançada a maioria das obras mais icônicas do movimento, como pode ser visto na seção anterior (Filmes do Cinema Novo), observando as datas de lançamento.
→ Radicalização e alegoria (c. 1964-1968)
O Golpe de 1964 muda o país e causa um impacto contundente na produção estética do Cinema Novo. O uso de alegorias políticas se torna mais denso, a narrativa fica mais incisiva e o discurso, mais confrontador. O movimento continua contrário ao modelo industrial de cinema, especialmente o hollywoodiano, mas agora o diálogo com as vanguardas europeias e com o debate cultural latino-americano se aprofunda. É o período em que a característica do movimento de intervir no debate público se torna mais evidente.
→ Dispersão, exílios e internacionalização (c. 1968 ao início dos anos 1970)
O AI-5 (Ato Institucional nº 5), de dezembro de 1968, modifica a conjuntura política nacional representando o fechamento completo do regime e o auge da perseguição política pelo governo ditatorial. Nesse contexto, grupos claramente opostos ao regime e vocais em sua contestação, como era o Cinema Novo, se tornam alvo preferencial do aparato repressivo do Estado.
A censura restrita, a perseguição, a violência política e as muitas formas de intimidação levam ao exílio diversos cineastas, que passam a filmar e a produzir fora do Brasil. O tom ainda era de crítica social e persistem as metáforas políticas, mas o movimento, longe de suas bases de inspiração e sem poder divulgar aqui suas obras, sofre um duro baque e aos poucos perde coesão e visibilidade.
Diretores do Cinema Novo
Apesar da proeminência do grande cineasta baiano Glauber Rocha, o Cinema Novo não foi uma obra de um homem só. Uma rede de diretores brilhantes idealizaram e materializaram esse movimento, compartilhando princípios, e empurraram juntos essa jornada de renovação estética e temática do nosso audiovisual. Glauber Rocha foi uma figura de liderança do movimento, o cineasta baiano articulou manifestos, defendeu ideias e levou às telas alguns dos mais icônicos filmes da história do cinema nacional.

Além dele, o movimento contou com outros grandes diretores. O paulista Nelson Pereira dos Santos é sempre lembrado quando o tema é Cinema Novo. Como referência do realismo crítico e um mestre da observação social, ele tinha um olhar aguçado para conhecer e expressar a vida popular. Entre suas obras mais aclamadas, estão Vidas Secas, Rio 40 Graus, Zona Norte, Memórias do cárcere, Tenda dos milagres e A terceira margem do rio, entre outros.
O alagoano Cacá Diegues trazia um trânsito entre o popular e o experimental, com interesse por temas históricos e raciais e uma facilidade de alcançar públicos mais amplos, de ser popular, sem abrir mão da crítica. Como ele foi um cineasta muito bem-sucedido comercialmente, com inúmeros filmes seus posteriores ao movimento e que não atendem estritamente a essa estética, deixamos como recomendação seu filme Ganga Zumba, produzido nos anos 1960, e que ainda traz os elementos claros do Cinema Novo.

Outro cineasta que marcou o movimento foi o carioca Joaquim Pedro de Andrade. Ele buscava estabelecer um fio entre literatura, cinema e política, traduzindo em humor ácido sua experimentação de linguagem. Dois filmes marcaram sua obra nesse período: O Padre e a Moça (1966) e Macunaíma (1969).
Além desses citados, vários diretores importantes se destacaram no movimento, como Paulo César Saraceni, Leon Hirzman, Ruy Guerra, entre outros.
Cinema Novo na Ditadura Militar
O Golpe de 1964 teve um impacto decisivo no cenário político, social e cultural brasileiro e, consequentemente, deixou marcas na produção do Cinema Novo, que assimilou esse impacto trazendo grandes mudanças em sua temática e no teor das suas narrativas. Um dos impactos mais diretos foi a instalação da censura estatal, com controles e pressões sobre os produtores, especialmente sobre um grupo tão engajado no debate dos problemas sociais como eram os desse movimento.
Entretanto, em vez de recuar, os autores avançaram nas críticas, deixando-as mais enfáticas e incisivas, mantendo e aprofundando a crítica social e política nas telas. O governo militar, buscando instrumentalizar a produção cinematográfica nacional, instalou, em 1966, o Instituto Nacional do Cinema, que promovia produções nacionais, ao mesmo tempo em que criava uma obrigatoriedade de cota de tela nos cinemas nacionais para filmes brasileiros. Os cinemanovistas marcaram posição, protegendo sua independência, e seguiram produzindo sem apoio estatal e distribuindo seus filmes por circuitos alternativos, como cinematecas e cineclubes.
Durante o Regime Militar, a imposição do AI-5, de 1968, foi um marco divisor para o Cinema Novo e para o país como um todo. Houve, então, o fechamento completo do regime. A censura se intensificou, as perseguições políticas aos artistas e intelectuais foi ampliada e os cinemanovistas não tiveram alternativa senão o exílio. Esse foi o início da dispersão do movimento.
Glauber Rocha declara o “fim do Cinema Novo como movimento”. Ainda assim, esse ciclo dentro do Regime Militar, de 1964 até 1969 foi bastante produtivo, com os independentes tendo lançado cerca de 67 filmes, um grande feito para quem operava fora da indústria e sob vigilância e boicote estatal. O Cinema Novo acabou exilado, mas nunca abriu mão dos seus valores e ideias de um cinema como intervenção pública e crítica político-social.
Legado do Cinema Novo
O legado do Cinema Novo vai além da produção cinematográfica. Sua estética, sua atitude diante dos limites técnicos e instrumentais, sua ênfase no rompimento como cinema industrial de puro entretenimento e suas leituras de temas densos e importantes marcaram toda a cultura nacional e suscitam debates e reflexões até os dias de hoje.
Mais especificamente no âmbito do cinema nacional, ele reorientou a forma de fazer cinema no país. Filmar em locações reais, com elencos mistos (atores profissionais e não profissionais), tematizar desigualdade, poder e violência são elementos presentes até em grandes sucessos de público e da crítica do cinema nacional recente, como nos filmes Cidade de Deus (Fernando Meireles, 2002), Tropa de Elite (José Padilha, 2007) e Central do Brasil (Walter Salles, 1998).
Além disso, no âmbito mais simbólico, o Cinema Novo trouxe a ideia de cinema de autor, associado a um projeto de usar a câmera como instrumento de interpretação do Brasil e até mesmo de transformação nacional.
Do ponto de vista da estrutura de produção e distribuição do cinema, o Cinema Novo impulsionou a formação de redes de cineclubes e cinematecas como espaço de circulação e debate de filmes independentes, a implantação de estratégias coletivas de distribuição que ajudaram a dar mais visibilidade e ampliaram a vida dos filmes fora do circuito mainstream comercial. Além disso, o movimento ensejou um debate sobre políticas públicas para o setor, num momento em que o Estado passou a intervir mais no audiovisual.
Por fim, outro grande legado deixado pelo Cinema Novo foi o grande reconhecimento internacional que ele angariou e que colocou o Brasil no mapa dos grandes festivais de cinema do mundo. O movimento consolidou uma imagem de cinema inventivo, profundo e capaz de falar dos temas locais sem perder nem a simplicidade nem a profundidade.
Cinema Novo e Cinema Marginal
Cinema Novo e Cinema Marginal não são a mesma coisa. Os dois movimentos dialogam em diversos aspectos, mas não se confundem. A independência é parte do ideário do Cinema Novo, mas o Cinema Marginal, que surge no contexto do declínio do Cinema Novo (final dos anos 1960), radicaliza essa característica, levando-a ao limite: é um cinema mais deliberadamente underground, iconoclasta, experimental, muitas vezes debochado e, por vezes, aproxima-se do trash.
Enquanto o Cinema Novo traz um projeto programático de cinema nacional, que busca intervir no debate público com crítica social, o Cinema Marginal aposta numa liberdade total da forma, no anti-heroísmo, no choque ao público, na aversão ao didatismo e em uma chacota estridente diante do “bom gosto”. Os marginais se inserem mais clara e diretamente no âmbito macro do movimento contracultural, que estava em voga na virada dos anos 1960 para 1970, com forte ligação com o Tropicalismo.
Entre os representantes mais importantes do Cinema Marginal estão Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha, A mulher de todos), Júlio Bressane (Matou a família e foi ao cinema, O Anjo nasceu) e Ozualdo Candeias (A margem, A herança).
Curiosidades sobre o Cinema Novo
- Começou numa mesa de boteco
Em 1957, os jovens cineastas Glauber Rocha, Leon Hirzman e Joaquim Pedro de Andrade, três dos mais icônicos diretores do movimento que surgiria, costumavam se reunir em bares do Rio de Janeiro, especialmente de Copacabana e do Catete, para matar o tempo, tomar umas cervejas e, claro, discutir os rumos do cinema brasileiro. A essa altura, Glauber já tinha feito uma experiência no sentido dessa nova estética com o curta Pátio e as ideias usadas ali ensejaram muitas e frutíferas discussões. Quem disse que boteco também não é cultura?
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A ditadura atrapalhou o movimento por um lado, mas, sem querer, acabou ajudando por outro
Os cinemanovistas se beneficiaram da lei do governo militar que estabeleceu uma cota de tela de 50% nos cinemas para os filmes nacionais. Além disso, o ambiente fortemente contestador entre jovens, artistas e intelectuais contra o regime autoritário nessa época angariou apoio ao movimento.
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Soy loco por tí, América! Os cinemanovistas tinham uma forte identidade latino-americana
O brasileiro é um latino-americano meio deslocado. Talvez seja pela língua diferente (em vez do espanhol), ou pela colonização portuguesa (em vez da espanhola), ou talvez seja uma questão geográfica mesmo. Mas os cinemanovistas não sentiam esse deslocamento, muito pelo contrário: sentiam-se plenamente latino-americanos e cultivavam essa identidade. O Cinema Novo se via como um capítulo de algo mais amplo chamado Nuevo Cine Latinoamericano, projeto que encarava temas comuns ao subcontinente, como subdesenvolvimento, autoritarismo e desigualdades sociais, sempre com linguagem crítica e popular.
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Cinema de autor e não de indústria
Os cinemanovistas rejeitavam o cinema industrializado, especialmente o hollywoodiano, que viam como sem alma, pasteurizado, a serviço de um entretenimento sem profundidade, que gerava embotamento e passividade. Em contrapartida, defendiam o cinema de autor, que significava liberdade intelectual e criativa do diretor, que escolhia os temas e como focá-los, além de uma autonomia produtiva, que não os fizesse ter que se submeter aos ditames da indústria.
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Anti-indústria? Sim. Empresários? Também.
Em meados dos anos 1960, já na segunda fase do movimento, um grupo de 11 produtores e diretores do Cinema Novo criaram juntos a Difilm (Distribuidora de Filmes Ltda.), uma produtora e distribuidora voltada para produções independentes e que, até 1969, já havia lançado 67 filmes, um feito que o próprio Glauber Rocha considerava a “principal revolução” do Cinema Novo.
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Exercícios resolvidos sobre Cinema Novo
01. (Enem Digital 2020)
TEXTO I
Cinema Novo
O filme quis dizer: “Eu sou o samba”
A voz do morro rasgou a tela do cinema
E começaram a se configurar
Visões das coisas grandes e pequenas
Serviços de streaming e filme online
Que nos formaram e estão a nos formar
Todas e muitas: Deus e o diabo, vidas secas, os fuzis,
Os cafajestes, o padre e a moça, a grande feira, o desafio
Outras conversas, outras conversas sobre os jeitos do Brasil
VELOSO, C.; GIL, G. In: Tropicália 2. Rio de Janeiro: Polygram, 1993 (fragmento).
TEXTO II
O cinema brasileiro partiu da consciência do subdesenvolvimento e da necessidade de superá-lo de maneira total, em sentido estético, filosófico, econômico: superar o subdesenvolvimento com os meios do subdesenvolvimento. Tropicalismo é o nome dessa operação; por isso existe um cinema antes e depois do Tropicalismo. Agora nós não temos mais medo de afrontar a realidade brasileira, a nossa realidade, em todos os sentidos e a todas as profundidades.
ROCHA, G. Tropicalismo, antropologia, mito, ideograma. In: Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra; Embrafilme, 1981 (adaptado).
Uma das aspirações do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro dos anos 1960, incorporadas pela letra da canção e detectáveis no texto de Glauber Rocha, está na
- retomada das aspirações antropofágicas pela prática intertextual
- problematização do conceito de arte provocada pela geração tropicalista.
- materialização do passado como instrumento de percepção do contemporâneo.
- síntese da cultura popular em sintonia com as manifestações artísticas da época.
- formulação de uma identidade brasileira calcada na tradição cultural e na crítica social.
Gabarito: E
O Cinema Novo, por mais diverso e multifacetado que fosse em termos de ideias, apresentava alguns pontos que conciliavam seus autores. Entre esses pontos, uma preocupação fortemente ligada à identidade brasileira, num contexto latino-americano, buscando “descolonizar o olhar”, isto é, desvinculá-lo do olhar imperialista dos filmes industriais estrangeiros, bem como um enfoque temático denso no âmbito da crítica social.
02. (Unichristus)
Essa imagem é uma cena do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, do diretor Glauber Rocha, 1964. O filme representa uma das produções do Cinema Novo, movimento que
A) pretendia levar para as telas o nacionalismo retratando as belezas naturais do Brasil.
B) oferecia diversão e entretenimento para aliviar as tensões políticas, características do período.
C) queria levar o Brasil a participar dos grandes eventos cinematográficos do mundo.
D) oferecia comédias musicais, misturadas com elementos de filmes policiais.
E) procurava levar para as telas os problemas sociais do Brasil, com linguagem própria da nossa cultura.
Gabarito: E
A única alternativa que faz referência a características reais do movimento é a E, contemplando o enfoque do Cinema Novo na crítica social e no cunho popular de sua linguagem e de suas narrativas.
Créditos das imagens
Fontes
RAMOS, Fernão; SCHVARZMAN, Sheila (Orgs.). Nova história do cinema brasileiro. v. 2. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.
SILVA, Irma Maria Viana da. Glauber Rocha e o movimento Cinema Novo. Teoria & Cultura, Juiz de Fora, v. 17, n. 2, p. 126–135, 2022.