Arquitetura hostil é o nome dado às intervenções no espaço urbano que têm como objetivo o afastamento de pessoas em situação de rua. Esse conceito, usado pela primeira vez no jornal britânico The Guardian em 2014, inclui modificações que são realizadas para limitar o uso da cidade pela população desabrigada. A instalação de grades em locais públicos de uso comum, blocos de pedra posicionados sob viadutos, objetos pontiagudos instalados em calçadas e alterações em bancos para impedir que pessoas deitem ou permaneçam por um período longo são exemplos de arquitetura hostil.
A arquitetura hostil é um recurso muito usado nos grandes centros urbanos, e já vem sendo observada em cidades brasileiras, como as metrópoles São Paulo e Rio de Janeiro, há algumas décadas. Recentemente, o Brasil aprovou uma lei que impede a aplicação da arquitetura hostil em espaços públicos. Esse dispositivo legal ficou conhecido como Lei Padre Júlio Lancellotti, e foi publicado em 11 de dezembro de 2023. A solução para a arquitetura hostil, entretanto, demanda esforços em diferentes áreas para a diminuição das desigualdades socioespaciais e para a garantia de direitos básicos da população marginalizada, como acesso à moradia digna.
Leia também: Aporofobia — termo criado para nomear o preconceito e a exclusão de pessoas pobres
Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre arquitetura hostil
- 2 - O que é arquitetura hostil?
- 3 - Exemplos de arquitetura hostil
- 4 - Arquitetura hostil no Brasil
- 5 - Lei da arquitetura hostil
- 6 - Impactos da arquitetura hostil
- 7 - Como solucionar o problema da arquitetura hostil?
- 8 - Arquitetura hostil no Enem
Resumo sobre arquitetura hostil
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Arquitetura hostil é a intervenção no espaço urbano que tem como objetivo limitar o acesso de pessoas a determinadas áreas e infraestruturas da cidade. Essa limitação tem como principal alvo a população que vive na rua.
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O termo foi utilizado pela primeira vez pelo jornalista britânico Ben Quinn no jornal The Guardian em 2014.
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São exemplos de arquitetura hostil: a modificação de bancos com o acréscimo de um braço no meio ou pela mudança no seu formato, instalação de pedras e objetos pontiagudos em calçadas e o cercamento de praças públicas.
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A arquitetura hostil é observada nos grandes centros urbanos brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, há várias décadas.
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O problema da arquitetura hostil tem apresentado crescimento com a ampliação da população de rua brasileira, que aumentou após a pandemia de covid-19.
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O Brasil aprovou, em 2022, a lei nº 14.489/2022, conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe o uso de arquitetura hostil nos espaços de uso público.
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A arquitetura hostil cerceia o direito à cidade de parte da população, assim como aumenta o preconceito para com a população de rua.
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Solucionar a arquitetura hostil demanda reconhecer o problema das desigualdades socioespaciais no meio urbano e elaborar políticas públicas inclusivas para a garantia dos direitos básicos da população em situação de rua.
O que é arquitetura hostil?
Arquitetura hostil é toda intervenção no espaço urbano que tem como principal objetivo limitar o acesso a determinadas áreas da cidade, bem como o uso prolongado de infraestruturas pela população sem-teto.
Os elementos que constituem a chamada arquitetura hostil são aplicados em marquises, em bancos de praças, em pontos de ônibus, sob viadutos ou pontes — áreas que a população mais vulnerável busca para se instalar de maneira temporária, protegendo-se do frio, do vento e da chuva ou buscando um local para dormir e descansar, e até mesmo de maneira permanente, uma vez que não possuem moradia.
A arquitetura hostil é um recurso que tem se tornado cada vez mais comum nos grandes centros urbanos, em que há intenso dinamismo populacional e econômico. Apesar disso, o uso desse tipo de estratégia para afastar os sem-teto e a população marginalizada de determinados espaços não é uma novidade.
O termo “arquitetura hostil” foi utilizado pela primeira vez pelo jornalista e historiador Ben Quinn em uma reportagem para o jornal britânico The Guardian no ano de 2014. Entretanto, existem referências a expressões como “arquitetura antimendigo” na década de 1990 pelo jornal Folha de S. Paulo.|1|
Exemplos de arquitetura hostil
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Modificações na estrutura de bancos de maneira a não permitir que pessoas deitem ou permaneçam minimamente confortáveis quando deitadas. É comumente feita uma nova divisão, adicionado um braço na parte central deles, como na imagem. Há casos, também, em que os braços laterais são removidos e colocados no centro. Bancos curvados ou mesmo em posição inclinada, quase na vertical, para que sejam usados apenas como encosto também são usados como estratégia de design para limitar o uso do espaço urbano.

A imagem abaixo mostra um ponto de ônibus em que não é possível se sentar, apenas se apoiar. Esse é um claro exemplo de como a arquitetura hostil limita o uso dos instrumentos urbanos e dificulta o acesso até mesmo a serviços básicos.
![Exemplo de arquitetura hostil em ponto de ônibus, em que não é possível se sentar, apenas se apoiar.[2]](https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/2025/08/arquitetura-hostil-ponto-onibus.jpg)
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Adição de estruturas pontiagudas em calçadas ou na fachada de estabelecimentos, assim como o uso de grades e de estacas que não permitem o acesso direto aos edifícios.

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Disposição de pedras sob viadutos e pontes, ou outros espaços abertos, para que pessoas sem-teto não se instalem.

Arquitetura hostil no Brasil
O Brasil é um país marcado pelas desigualdades socioeconômicas, as quais são ainda mais evidentes nas suas principais metrópoles e regiões metropolitanas do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. Nelas tem se observado, com maior frequência, a presença de estruturas nas regiões centrais cujo objetivo é afastar indivíduos que são considerados “indesejados” do convívio em espaços compartilhados, como é o caso da população que vive nas ruas.
Depois da pandemia da covid-19, observou-se um salto na população sem-teto no Brasil, com estimativas de que ela seja, hoje, de mais de 330 mil pessoas. Com isso, medidas segregacionistas têm se ampliado na mesma medida.
Essas estratégias, como a instalação de pedras sob viadutos, de bancos que eram descritos como “antimendigos”, de pinos em bancos e na frente de estabelecimentos comerciais ou mesmo o gradeamento de áreas públicas cobertas e a instalação de barras de ferro em calçadas e avenidas para impedir a concentração de pedintes|2| foram algumas das medidas de arquitetura hostil identificadas em cidades brasileiras, como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, desde o início dos anos 2000 até o presente.
Recentemente, entretanto, entrou em efeito no Brasil uma lei que proíbe o uso da arquitetura hostil, e que pode transformar a organização do espaço urbano das maiores cidades do país.
Leia também: Pobreza no Brasil — o que os dados revelam?
Lei da arquitetura hostil

A lei da arquitetura hostil foi aprovada no Brasil no ano de 2022 e regulamentada pelo Governo Federal no dia 11 de dezembro de 2023. Trata-se da Lei nº 14.489/2022, mais conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe o uso de quaisquer tipos de equipamentos ou recursos arquitetônicos que limitem o uso de espaços que são designados para o uso livre da população.
A proibição faz menção à arquitetura que é hostil não somente a pessoas em situação de rua, mas também a grupos como idosos, crianças, jovens e pessoas com deficiência. Seu principal objetivo é a garantia da cidadania e a asseguração dos direitos de toda a população das cidades, visando, ainda, à busca por soluções para promover o bem-estar da população de rua e garantir o seu acesso a programas de moradia digna.
O nome da lei foi dado como uma homenagem ao Padre Júlio Lancellotti, que apresenta um longo histórico de trabalho de auxílio à população de rua na cidade de São Paulo à frente da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo. Ele foi um dos principais responsáveis por denunciar de maneira incisiva e recorrente a aporofobia presente no espaço urbano da capital paulista.
Impactos da arquitetura hostil
Os impactos da arquitetura hostil são percebidos não somente na dinâmica do espaço urbano e das relações sociais que se realizam sobre ele, mas, também, nas políticas públicas e na vida da população que é alvo desse tipo de intervenção, a população sem-teto. A seguir, listamos algumas das consequências da arquitetura hostil:
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A sua permanência pode resultar na institucionalização da aporofobia — a aversão a pessoas pobres. Nesse caso, a aporofobia se traduz nas formas materializadas no espaço urbano, limitando o direito à cidade dessa parcela da população.
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Aumento da marginalização da população de rua e do preconceito da sociedade para com esse grupo de pessoas.
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Aprofundamento da segregação socioespacial e cerceamento ou violação direta do que chamamos de direito à cidade, que inclui desfrutar o seu espaço e de toda a infraestrutura pública nela presente.
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Negligência para com as verdadeiras causas dos problemas socioeconômicos dos grandes centros urbanos, aliada com a ausência de soluções para diminuir a população de rua e garantir a ela condições dignas de moradia.
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Redirecionamento de recursos para alternativas que não solucionam, de fato, o problema que é apresentado pela população sem-teto.
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Piora na qualidade de vida e na saúde mental da população sem-teto, que já vive em condições precárias, assim como imposição de dificuldades à população que se movimenta e usufrui livremente, em tese, do espaço urbano.
Como solucionar o problema da arquitetura hostil?
A arquitetura hostil é um problema antigo e que está presente em diversos países. Solucioná-lo depende, em primeiro lugar, de lançar luz ao problema da pobreza e da desigualdade social nos espaços urbanos, visto que essa estratégia foi desenvolvida com o objetivo maior de limitar o uso da cidade pela população sem-teto e marginalizada.
Conhecer o tamanho e as necessidades da população desabrigada mediante o seu recenseamento e o mapeamento das áreas em que elas se encontram é um passo inicial e urgente para a implementação de políticas públicas de acolhimento e assistência de acordo com as demandas observadas com esse levantamento.
Faz-se necessário também a elaboração de medidas para a ampliação de programas sociais, de modo a atender essa parcela da população com auxílios para a garantia de uma renda básica para a sua subsistência, sua inserção no mercado de trabalho, além de, é claro, a garantia de acesso a uma moradia digna e segura, como é de direito de todo cidadão e cidadã.
Dito de outro modo, a solução da arquitetura hostil depende da diminuição das desigualdades socioeconômicas, da asseguração do direito à moradia e à segurança para a população sem-teto, que, na maioria das vezes, é invisível para o poder público.
Leia também: Racismo ambiental — a forma desigual como as populações vivem as mudanças climáticas
Arquitetura hostil no Enem
A arquitetura hostil é um assunto atual e importante que pode ser abordado por diferentes perspectivas na prova do Enem, inclusive como tema de redação. É possível aliar a arquitetura hostil com diversas problemáticas, entre as quais estão:
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invisibilização da população de rua;
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aporofobia no espaço urbano;
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segregação socioespacial nas principais cidades brasileiras;
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direito à cidade;
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relação entre os direitos humanos e o acesso ao espaço urbano;
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ausência ou omissão do poder público frente a discriminação para com a população marginalizada;
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reflexo dos conflitos de classe e das desigualdades socioeconômicas no espaço urbano;
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formas alternativas de planejamento urbano que visem ao acolhimento e à inclusão;
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possíveis soluções para a arquitetura hostil no Brasil.
Notas
|1| SAYURI, Juliana. O que é arquitetura hostil. E quais suas implicações no Brasil. Nexo, 03 fev. 2021. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/03/o-que-e-arquitetura-hostil-e-quais-suas-implicacoes-no-brasil.
|2| Idem.
Créditos da imagem
[1] felipequeiroz / Shutterstock
Fontes:
ARAÚJO, Jaqueline Marcos de. Arquitetura hostil e a “comunicação” das cidades para a segregação socioespacial. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação: 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. PUC-Minas, 2023. Disponível em: https://sistemas.intercom.org.br/pdf/link_aceite/nacional/11/0817202314201364de56cd565ce.pdf.
LEITE, Isabela. Governo federal regulamenta Lei Padre Júlio Lancellotti e confirma canal de denúncias para 'arquitetura hostil'. G1, 11 dez. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/12/11/governo-federal-regulamenta-lei-padre-julio-lancellotti-e-confirma-canal-de-denuncias-para-arquitetura-hostil.ghtml.
REDAÇÃO. Brasil tem mais de 335 mil pessoas em situação de rua, aponta levantamento da UFMG. G1, 14 abr. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2025/04/14/brasil-mais-de-335-mil-pessoas-em-situacao-de-rua-levantamento.ghtml.
REDAÇÃO. Governo regulamenta Lei Padre Júlio Lancellotti, que veda a arquitetura hostil em espaço público. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 11 dez. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/governo-regulamenta-lei-padre-julio-lancellotti-que-veda-a-arquitetura-hostil-em-espaco-publico.
SAYURI, Juliana. O que é arquitetura hostil. E quais suas implicações no Brasil. Nexo, 03 fev. 2021. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/03/o-que-e-arquitetura-hostil-e-quais-suas-implicacoes-no-brasil.