Antônio Conselheiro

Antônio Conselheiro foi um líder religioso nordestino que comandou sertanejos pobres na Revolta de Canudos (1886-1888) contra tropas oficiais e marcou seu legado na história.

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Antônio Conselheiro foi um líder religioso nordestino, nascido em 1830, em Quixeramobim, no Ceará, que ganhou fama de santo e milagreiro e liderou a construção do Arraial de Canudos, enfrentando, poucos anos depois, um massacre a esse arraial organizado por tropas governamentais na chamada Guerra de Canudos (1896-1897). Morreu nesse conflito em setembro de 1897, junto com a maioria dos seus seguidores. Suas frases, histórias e sermões permanecem fortes na cultura popular, especialmente no sertão nordestino.

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Tópicos deste artigo

Resumo sobre Antônio Conselheiro

  • Antônio Conselheiro nasceu em 1830, em Quixeramobim, cidade no sertão do Ceará. Era filho de pais pobres, mas não miseráveis.
  • Ele não teve uma educação formal, mas aprendeu a ler, escrever, fazer contas e os rudimentos da doutrina católica com seus pais e mestres avulsos em sua cidade natal.
  • Seu sonho era ter se tornado padre católico, mas não possuía recursos suficientes para completar seus estudos em uma cidade maior.
  • Casou-se aos 27 anos, mas o casamento não foi bem-sucedido. Essa situação traumática foi marcante na vida de Antônio, que abandonou sua cidade e seu estilo de vida e passou a peregrinar pelas cidades sertanejas, pregando o fim do mundo e a necessidade de arrependimento.
  • Para os fiéis, Conselheiro pregava que o fim dos tempos estava próximo e que todos deveriam logo se arrepender antes da volta de Jesus junto do rei Dom Sebastião (ele era sebastianista).
  • A Proclamação da República em 1889 colocou o já idoso Conselheiro numa posição de inimigo dos poderosos, já que ele criticava dura e publicamente o novo regime como sendo um dos sinais de decadência do mundo e do final dos tempos.
  • A reação do governo federal veio depois de duas tentativas do governo estadual da Bahia de punir os “revoltosos” de Canudos.
  • Mesmo após a morte de Conselheiro, seu corpo foi exumado e usado por cientistas racialistas para defender ideias pseudocientíficas racistas, o que mostra o quanto os sertanejos eram discriminados e desrespeitados nessa época.

Quem foi Antônio Conselheiro?

Retrato artístico de Antônio Conselheiro, por Silvio Jessé.[1]
Retrato artístico de Antônio Conselheiro, por Silvio Jessé.[1]

Antônio Conselheiro se tornou uma figura histórica importante ao liderar o Arraial de Canudos durante a Guerra de Canudos (1896-1897) contra as poderosas tropas governamentais, tendo sido morto nesse confronto, bem como a maioria dos seus seguidores — pessoas pobres e excluídas socialmente do sertão da Bahia. Mas muita coisa aconteceu em sua vida antes desse momento tão lembrado e é isso que vamos recordar aqui.

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  • Nascimento e família

Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como Antônio Conselheiro, nasceu em 13 de março de 1830, na cidade de Quixeramobim, no sertão do Ceará.

Ele era filho de uma família modesta, mas não miserável para os padrões do sertão nordestino. Seu pai, Vicente Mendes Maciel, era um pequeno comerciante, que alternava a venda de tecidos e outros produtos com a atividade de pequeno agricultor. Sua mãe, Maria Joaquina de Jesus, era profundamente religiosa e teve papel fundamental na formação espiritual do filho.

  • Educação

Antônio não frequentou escolas formais, mas recebeu instrução básica por meio dos pais e de mestres locais em Quixeramobim.

A falta de suporte público formal à educação das crianças no seu contexto era completa, mas o pai comerciante entendia a importância de o filho saber ler o nome dos produtos e fazer contas, já a mãe religiosa sabia que a leitura era fundamental para o conhecimento da Bíblia e das doutrinas católicas. Aprendeu a ler, escrever e fazer contas, algo bastante incomum entre a população de sua região.

A devoção católica da mãe se somava a uma forte tradição de ensino ligada à Igreja nesse período, o que fez com que ele tivesse contato com alguns manuais religiosos e textos católicos.

Essa educação simples o habilitou a se destacar em seu contexto como alguém capaz de interpretar a Bíblia, redigir textos e fornecer bons conselhos. Ainda que básica, a educação que recebeu o diferenciava da grande maioria dos sertanejos analfabetos e sem acesso a informações e instrução formal de então.

  • Formação religiosa

Desde criança, Antônio demonstrava grande inclinação para a religiosidade popular. A tradição oral e alguns relatos indicam que sua família havia o destinado ao sacerdócio e que ele estaria sendo preparado para se tornar padre católico.

No entanto, ele não chegou a ingressar no seminário católico. Ao que tudo indica, pela falta de recursos da família, pois era uma preparação custosa para os padrões modestos do sertão, pois o filho precisaria ser mantido pela família em uma cidade mais estruturada onde ele completasse sua educação de maneira formal e pudesse assim pleitear uma vaga no seminário. Esse passo não foi dado e sua vocação não foi realizada.

Essa vocação não realizada ou “quase realizada” explicaria parte de sua postura e estilo de vida adotados anos depois quando assumiu a vida de pregador leigo, ou de “beato”, como eram chamados esses pregadores do catolicismo popular de então que vagavam pelas cidades do sertão nordestino, onde os padres católicos eram raros, e levavam ideias religiosas não totalmente alinhadas com a Igreja Católica e geralmente um tanto afastadas das regras estritas do cânone católico.

  • Juventude antes do casamento

Ainda jovem, antes do casamento, Antônio trabalhou ajudando o pai no comércio e em pequenas funções junto à administração local (municipal), que demandava os poucos cidadãos alfabetizados nas suas funções burocráticas cotidianas.

  • Casamento, filhos e separação

Em 1857, aos 27 anos, Antônio se casou com Brasilina Laurentina de Lima, em Quixeramobim, cidade natal de ambos. No entanto, o casamento durou pouco, menos de dois anos.

As razões para o rompimento são controversas, mas alguns autores, como o historiador Darrell Levi, apontam que a causa da separação teria sido infidelidade da esposa, que teria mantido relações com um policial da região.

Além do trauma pessoal, que deve ter sido penoso, uma situação dessa, naquele contexto extremamente machista e tradicional, representava uma ferida na honra pessoal do marido traído, como também um forte impacto social, já que, em uma comunidade pequena, o escândalo possivelmente adquiriu grande repercussão. O caso fica ainda mais dramático ao saber que o casal teve dois filhos e que Antônio, ao abandonar a esposa, nunca mais manteve contato com eles.

  • Líder religioso

É nesse contexto turbulento, após essa experiência traumática, que Antônio se torna o Antônio Conselheiro, aos 29 anos de idade, passando a viver uma vida errante, de cidade em cidade, pregando sua religiosidade popular, afirmando que o fim dos tempos estava próximo e que todos deveriam logo se arrepender de seus pecados porque o juízo final se aproximava.

O que Conselheiro via em seu tempo era uma terrível deterioração da moral e dos costumes, partindo do que experimentou em sua própria vida, o que seria para ele a prova de que viviam então o fim dos tempos narrado nas escrituras bíblicas. Passou a vestir uma espécie de túnica simples, deixou a barba e o cabelo crescerem e passou a peregrinar pregando o fim dos tempos.

Conselheiro não era padre ordenado nem mantinha nenhuma ligação oficial com a Igreja Católica. Ele era um pregador leigo e divulgava uma religiosidade popular. Isso, a princípio, não causou nenhum incômodo para as autoridades religiosas pela ausência dessas autoridades ou representantes oficiais (padres ordenados) nessas regiões remotas. Posteriormente, com o ganho de notoriedade que ele e seu movimento tiveram, extrapolando o sertão e chegando ao litoral e às capitais, o choque entre Conselheiro e a Igreja foi patente.

Em suas andanças durante décadas pelo sertão, além de pregar e dar conselhos, liderou mutirões para a construção de igrejas, cemitérios e capelas, sempre cercado de muitos seguidores, que o viam como um homem santo e, para alguns, até “milagreiro” (capaz de realizar milagres). É patente que, nessas décadas anteriores a Canudos, ele recebia muito respeito e admiração por onde passava.

Seu epíteto de “Conselheiro” veio da prática que tinha de dar orientações espirituais e morais aos sertanejos que lhe procuravam. Para esses sertanejos, ele era um guia que oferecia um pouco de conforto diante da miséria e das injustiças. No entanto, à medida em que ele foi ganhando notoriedade, para as autoridades governamentais e eclesiásticas, ele era cada vez mais visto como um fanático religioso perigoso, visão que só se acentuou após a Proclamação da República em 1889.

O fato de Conselheiro criticar duramente a recém-implantada república e colocá-la no rol dos símbolos de decadência moral que indicariam o fim dos tempos não ajudou na sua imagem junto às autoridades.

Leia também: Padre Cícero — outra liderança política e religiosa do sertão nordestino

O que Antônio Conselheiro defendia?

A mensagem de Conselheiro inicialmente tinha no cerne profecias sobre o fim dos tempos e orientações práticas como construir igrejas, cemitérios e ajudar os pobres. Ele pregava um catolicismo popular sertanejo, aquele praticado pelas populações sertanejas de então e que continha tanto doutrinas oficiais da Igreja Católica quanto costumes e tradições sincréticos, com influência cabocla e africana, ainda que essas influências fossem inconscientes por parte dos sertanejos, que acreditavam estar praticando à risca a ortodoxia da Igreja.

Para os fiéis, ele pregava valores religiosos e morais simples: obediência aos 10 mandamentos bíblicos, arrependimento dos pecados, fé em Deus, solidariedade com os pobres… nada demais até então.

Mas a Proclamação da República em 1889 o colocou em uma situação que se mostrou crítica e eventualmente fatal para ele. Conselheiro criticava duramente as mudanças trazidas pela república, principalmente a separação entre Igreja e Estado e a instituição do casamento civil. Para ele, esse era mais um sinal de decadência moral e que o castigo divino se aproximava. Para o governo republicano, ainda recém-implantado e institucionalmente frágil, aquele humilde pregador pareceu um opositor enorme e perigoso.

Foi então que, em 1893, aos 63 anos de idade, mais de 30 deles passados como pregador errante, Conselheiro decidiu se fixar em uma localidade, especialmente por conta da repressão às suas missões nas várias localidades que ele costumava visitar regularmente e da crescente hostilidade de autoridades civis e eclesiásticas. Ele e seus seguidores se fixaram definitivamente em uma antiga fazenda abandonada às margens do rio Vaza-Barris, no sertão da Bahia.

O lugarejo até então conhecido por Canudos foi rebatizado por Conselheiro como Arraial de Belo Monte. Ali ergueram uma comunidade, que cresceu rapidamente em poucos anos, chegando a atingir, depois de três anos de fundada, em torno de 25 mil pessoas, o que fazia de Belo Monte o segundo maior núcleo populacional (não era reconhecido como cidade) da Bahia, atrás apenas da capital, Salvador. A oposição das autoridades civis e eclesiásticas, que já era forte, transformou-se em pânico e rapidamente em violência contra o beato e sua comunidade.

Pintura representando o Arraial de Canudos.
Pintura representando o Arraial de Canudos.

Antônio Conselheiro e a Guerra de Canudos

A imagem de Antônio Conselheiro se confunde, no imaginário popular e na história do país, com a história da Guerra de Canudos. Por mais que ele já tivesse mais de 60 anos de idade e tenha vivido apenas seus últimos anos de vida em Canudos, esse é o fato pelo qual ele é até hoje estudado e reconhecido.

Canudos (ou Belo Monte) não era apenas um lugar de oração. Sob a liderança de Conselheiro, organizou-se ali uma comunidade baseada no trabalho voluntário, na partilha dos bens e na fé religiosa. O dinheiro foi substituído por uma espécie de moeda local administrada por Conselheiro e seus ajudantes próximos. O senso de comunidade e de ajuda coletiva tornou Canudos bastante atraente para os sertanejos, já tão fragilizados e humilhados pela exclusão social e pela falta de perspectivas. Isso atraiu milhares de sertanejos pobres, retirantes e ex-escravizados, que viam o arraial como um símbolo de esperança em meio a tanta miséria.

O crescimento vertiginoso de Canudos à margem da atuação governamental despertou temor nas autoridades da jovem república. As críticas de Conselheiro ao governo republicano, o escoamento de mão de obra barata de sertanejos pobres das fazendas da região para o arraial — sentido como um aumento dos custos dos fazendeiros poderosos, além da grande influência que o beato tinha sobre milhares de sertanejos valentes e, muitas vezes, armados e corajosos, transformaram a comunidade simples e coletivista em um foco de rebeldia perigosa para o olhar das autoridades e dos poderosos.

As autoridades (civis e eclesiásticas), bem como os poderosos da região, precisavam então de um pretexto para investir contra a comunidade do beato. Esse pretexto veio em 1896, em torno de um imbróglio sobre a compra e a venda de madeira na cidade de Juazeiro, na Bahia.

Antônio Conselheiro e seus seguidores haviam encomendado uma grande quantidade de madeira na cidade de certo porte mais próxima da comunidade, Juazeiro, para construir uma igreja maior na comunidade e acolher o número sempre crescente de moradores. Pressionados pelas autoridades, os comerciantes de Juazeiro se recusaram a entregar o material encomendado.

Conselheiro interpretou isso como perseguição política e religiosa e enviou um grupo de seguidores armados e corajosos para cobrar a entrega. Esse ato foi lido como coerção armada por parte do grupo de Conselheiro e o início, vejam vocês, de uma insurreição monárquica!

A tensão levou o governo da Bahia a organizar uma expedição da polícia militar estadual para prender Conselheiro e outros indivíduos que resistissem. Foi a primeira expedição e foi um completo fracasso.

Os sertanejos resistiram, responderam com violência e o governo da Bahia pediu socorro ao governo federal. Este organizaria mais três expedições contra o arraial. Duas foram derrotadas fragorosamente, mas a terceira, em 1897, organizada pelo Exército, com forte artilharia de guerra e apoio da Marinha, cercou os sertanejos e realizou um dos mais desumanos massacres da nossa história.

O escritor e jornalista paulista Euclides da Cunha esteve nessa última expedição e ficou pasmo com o que viu, o que foi descrito em seu clássico da literatura brasileira: Os Sertões. Uma das frases mais célebres dessa obra de Euclides é: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.

Antônio, o Conselheiro, não chegou a ver o fim do conflito. Doente e debilitado, morreu em setembro de 1897, pouco antes da queda final de Canudos. Seu corpo seria exumado e usado em estudos raciais por cientistas da época, em um episódio que mostra como, até depois de sua morte, ele foi alvo de desrespeito e preconceito.

Fotografia do corpo de Antônio Conselheiro depois de exumado pelas tropas federais, em 1897. [imagem_principal]
Fotografia do corpo de Antônio Conselheiro depois de exumado pelas tropas federais, em 1897.

Frases de Antônio Conselheiro

Muitas frases atribuídas a Antônio Conselheiro se tornaram célebres na cultura popular, imortalizadas em ditos populares e em literatura de cordel e registradas por estudiosos acadêmicos. Entre elas, podemos destacar algumas:

“O sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão.” 

Possivelmente a mais famosa de suas frases. Uma mistura de profecia e poesia popular, ela reflete o clima messiânico e a esperança de transformação em meio à seca e à pobreza. Ironia do destino (ou não), o local onde ficava o Arraial de Canudos hoje está inundado por um enorme açude, que parece um mar. É o Açude Cocorobó, obra concluída em 1967 pelo DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra as Secas), que represa água do rio Vaza-Barris para abastecimento humano e controle de cheias.

A música "Sobradinho", grande sucesso da dupla Sá & Guarabyra, faz referência direta a essa frase de Conselheiro. Ela foi composta em 1977 como um protesto contra a construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, perto de onde ficava Canudos, e que causou o alagamento de diversas cidades e a perda de lares e meios de subsistência das populações locais.

“O sertanejo não tem governo, já que não há quem o governe.”

Essa frase expressa a ideia de abandono do povo sertanejo em torno de Conselheiro pelas autoridades oficiais e reforça a visão do beato de que só a fé poderia guiar os sertanejos. Ele formou uma comunidade de quase 30 mil pessoas, a segunda maior da Bahia, atrás apenas de Salvador, sem nenhuma participação do governo estadual ou federal, com moeda própria e uma postura bastante crítica de seu líder à recém-proclamada república. Isso nos leva à próxima frase.

“A república é obra do demônio.”

Conselheiro e seus seguidores tinham uma visão bastante negativa daquela república imposta “de cima para baixo”, afinal, se deu por um golpe de Estado, e não por meio da mobilização social. A desconexão popular com a república, pela maneira como ela foi implementada, ocorreu em diversos contextos desse período, não somente em Canudos. A insegurança das autoridades republicanas era reflexo dessa falta de base social de sustentação e ajuda a explicar a truculência com a qual eles lidaram com a questão de Canudos.

            “Felizes os que sofrem, porque deles será o Reino dos Céus.”

Uma das muitas frases que remetem aos Evangelhos, mas de forma adaptada em seus sermões, trazendo conforto espiritual aos sertanejos pobres e marginalizados que formavam o grosso de seus seguidores.

"Há de chover uma grande chuva de estrelas e aí será o fim do mundo. Em 1900 se apagarão as luzes."

Uma tônica dos sermões de Conselheiro era a ideia de que o fim estava próximo, de que a volta do Cristo, juntamente com o rei Dom Sebastião, aconteceria antes da virada do século e que os sinais estavam por todos os lados, o que demandava pronta e profunda conversão espiritual e arrependimento dos pecados. Isso ajuda a explicar por que o arraial não se rendeu à esmagadora superioridade das tropas federais. Lutaram como se fosse o fim do mundo. Melancolicamente, para a maioria desses sertanejos, de fato foi.

Trecho alagado da cidade de Canudos em face do açude de Cocorobó.[2]
Trecho alagado da cidade de Canudos em face do açude de Cocorobó.[2]

Curiosidades sobre Antônio Conselheiro

  • Seu corpo não foi respeitado nem depois da morte. O corpo de Conselheiro foi exumado e estudado por médicos e cientistas que acreditavam em teorias racistas, hoje completamente superadas na ciência, mas que na época ainda contavam com prestígio em certos meios acadêmicos. O famoso médico legista Nina Rodrigues, por exemplo, estudou seu crânio para tentar provar “teorias raciais” da época. Hoje esse episódio é visto como um capítulo fatídico na história da ciência, como exemplo do racismo pseudocientífico, e evidência do grande preconceito que existia contra os sertanejos.
  • Foi acusado de matar sua mãe e sua ex-esposa e preso em 1876. Em 1876, Conselheiro foi denunciado em Quixeramobim (CE), sua cidade natal, acusado de ter assassinado sua mãe e sua esposa. A denúncia não tinha nenhuma base concreta e era fruto de um boato criado e espalhado levianamente por pessoas que não gostavam do modo de vida errante do religioso. Ainda assim, Conselheiro foi preso e levado a julgamento. Durante o processo, investigou-se o paradeiro das duas mulheres supostamente assassinadas e rapidamente descobriram que ambas estavam vivas e bem. Comprovada sua inocência, o beato foi inocentado e libertado. O caso, em vez de manchar sua reputação, provocou comoção e apoio dos sertanejos ao agora injustiçado e perseguido beato com fama de santo e milagreiro.
  • Ele se vestia tal como um sertanejo dessa época imaginava Jesus Cristo. O sertão nordestino já tem muito de Palestina em sua aparência. O semiárido, o sol escaldante, o chão rachando e as árvores retorcidas são o cenário perfeito para um beato como Conselheiro. E Conselheiro tinha o que os franceses chamam de “phisique du rôle” (aparência típica para uma função) perfeita do beato: ele usava uma longa camisa azul até as canelas, que parecia mais uma túnica dos tempos antigos, sem cinto nem calças. Tinha os cabelos e a barba compridos e sandálias de couro. Sua indumentária reforçava sua imagem mística, de santidade e humildade.
  • Ele inspirou inúmeros escritores, músicos e artistas. A história de Conselheiro, de Canudos e de sua destruição inspirou escritores, músicos e artistas de diversas modalidades, épocas e estilos. Na literatura, temos desde a obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, que imortalizou o olhar dessa testemunha ocular da tragédia, até Ariano Suassuna, no Movimento Armorial. Na literatura de cordel, temos, por exemplo, a Guerra de Canudos, de Raimundo Santa Helena, e o aclamado Antônio Conselheiro, o Santo Guerreiro de Canudos, de Rodolfo Coelho Cavalcante. No cinema, podemos citar obras clássicas como o aclamado Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, com seu personagem Sebastião, um beato que reúne seguidores no sertão e é inspirado diretamente em Antônio Conselheiro e nos movimentos messiânicos nordestinos. Uma obra que trata mais diretamente do tema é o filme Guerra de Canudos (1996), de Sérgio Resende. O teatro e a música nordestina também absorveram sua imagem. Além disso, sua memória é preservada em espaços culturais e museológicos, como o Memorial Antônio Conselheiro em Quixeramobim, sua cidade natal. Conselheiro se consolidou como um ícone da cultura brasileira, lembrado tanto pela tragédia de Canudos quanto pela força simbólica de sua liderança.

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Exercícios resolvidos sobre Antônio Conselheiro

Questão 1

No final do século XIX, Antônio Conselheiro liderou, no sertão baiano, a formação da comunidade de Canudos, baseada em religiosidade popular, trabalho coletivo e partilha. Suas pregações criticavam impostos e medidas da recém-instaurada república, vistas como sinais de decadência moral. À luz desse contexto, por que as autoridades republicanas passaram a enxergá-lo como uma ameaça?

A) Porque sua pregação tinha por objetivo explícito restaurar a monarquia por meio de um golpe militar.
B) Porque ele reivindicava o título de papa no Brasil, rompendo oficialmente com a Igreja Católica.
C) Porque Canudos articulava uma experiência comunitária autônoma e atraía milhares de sertanejos, desafiando autoridades locais e a arrecadação de impostos, num momento de afirmação do Estado republicano.
D) Porque sua crítica se limitava à cobrança de dízimos pela Igreja, sem envolver questões políticas.
E) Porque a comunidade promovia a abolição da propriedade privada com base em ideários socialistas europeus.

Gabarito: C. A ameaça percebida pelo poder republicano não vinha de um plano golpista formal, mas da capacidade de mobilização social e da organização comunitária de Canudos, que escapava ao controle fiscal e político num período de consolidação do novo regime. A crítica religiosa de Conselheiro articulava-se a tensões sociais reais (pobreza, seca, exclusão), o que ampliava sua influência.

Questão 2

Considere as características de Canudos sob a liderança de Antônio Conselheiro: centralidade do catolicismo popular, vida comunitária com trabalho coletivo e acolhimento dos pobres, crítica a impostos e à separação entre Igreja e Estado, e pregações de forte apelo moral. Qual alternativa sintetiza melhor a natureza dessa experiência?

A) Um projeto de socialismo científico inspirado diretamente nas obras de Marx e Engels.
B) Uma república separatista com instituições políticas próprias e reconhecimento internacional.
C) Uma comuna sertaneja de inspiração religiosa, organizada em práticas solidárias e crítica à república, porém sem um programa político doutrinário moderno e sistematizado.
D) Uma teocracia integrista que impôs a lei canônica como único código jurídico e estruturou um exército regular.
E) Um movimento restauracionista aristocrático voltado à recomposição do poder das antigas elites imperiais.

Gabarito: C. As fontes apontam que Canudos funcionava como uma comunidade religiosa e solidária, com normas morais e organização do trabalho mediadas pela liderança carismática de Conselheiro. Não havia um programa político moderno sistemático (A, D) nem projeto diplomático separatista (B), tampouco se tratava de um movimento aristocrático restauracionista (E).

Créditos da imagem

[1] Silvio Jessé / Wikimedia Commons

[2] Wikimedia Commons

Fontes

CARVALHO, José Murilo de. Canudos: entre a história e o mito. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 37-51, mar. 1982.
LEVI, Darrell E. Antônio Conselheiro: o profeta do sertão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerra total de Canudos. Rio de Janeiro: Escrituras Editora, 2014.
MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto milenarista de Canudos. São Paulo: Duas Cidades, 1974.

Escritor do artigo
Escrito por: Alexandre Fernandes Borges Professor e historiador, Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal de Goiás, com 20 anos de experiência no ensino de História no Ensino Médio. Servidor público de carreira da Secretaria de Estado da Cultura de Goiás desde 2007, atuou como Chefe do Arquivo Histórico Estadual de Goiás entre 2012 e 2019. Atualmente, integra a Comissão de Avaliação de Bens Intangíveis da Secretaria de Estado da Cultura de Goiás.
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BORGES, Alexandre Fernandes. "Antônio Conselheiro"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescolav3.elav.tmp.br/biografia/antonio-conselheiro.htm. Acesso em 29 de outubro de 2025.
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